quarta-feira, 6 de outubro de 2010

Políticas sociais nos anos FHC

Há um mito de que o governo FHC seguiu uma linha neoliberal de sair privatizando tudo, reduzindo o tamanho do estado e, principalmente, não se preocupar com as classes menos favorecidas. Eu mesmo acreditava nisto, na minha época de colégio.


Porém, depois descobri que isso é aquele tipo de blablablá que, de tanto falarem, você até acha que é senso comum. Mas não é verdade. Mesmo passando por uma situação difícil - fazendo sacrifícios pra resolver o problema de inflação do Brasil de uma vez por todas (falo mais sobre isso num outro post) -, o governo FHC conseguiu, sim, criar ou melhorar uma série de políticas sociais. E, ao contrário do que pensam, aumentou o gasto público nessa área.

Segue um trecho escrito por Fabio Giambiagi* em Economia Brasileira Contemporânea:

As Políticas Sociais Nos Anos FHC
No governo FHC e, especialmente, ao longo da sua segunda gestão, foram lançados ou aprimorados diversos programas, que aumentaram o gasto público e criaram uma rede de proteção social relativamente desenvolvida para os padrões de um país latino-americano de renda média, como é o nosso. Entre essas ações, algumas das quais corresponderam a desdobramentos de programas já existentes, encontram-se:
  • A expansão das medidas previstas na Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS), que garante um salário mínimo a idosos e deficientes, independentemente de contribuição prévia e, no final de 2002, atendia diretamente a aproximadamente 1,4 milhão de pessoas;
  • O Bolsa-Escola, do Ministério de Educação, que em 2002 garantia benefícios às famílias com crianças na escola, na época correspondentes a R$15 mensais por criança, até o limite de três crianças (R$45 por mês) e que no final do governo beneficiava 5 milhões de famílias;
  • O Bolsa-Renda, do Ministério da Integração, dirigido a aproximadamente 2 milhões de famílias pobres das regiões que enfrentavam o problema da seca;
  • O Bolsa-Alimentação, a cargo do Ministério da Saúde, que atendia a 1 milhão de gestantes/ano na fase de amamentação;
  • O Auxílio Gás, do Ministério das Minas e Energia, que previa a doação, em 2002, de R$8 mensais, beneficiando 9 milhões de famílias para subsidiar o custo do botijão, e
  • O Programa de Erradicação do Trabalho Infantil (PETI), da Secretaria de Assistência Social, para retirar 1 milhão de crianças do trabalho, dando a elas bolsas para estudar.
O mais legal é que, um pouco mais à frente, o autor dá sua opinião de por quê essas políticas não terem sido populares (e, consequentemente, o governo FHC ter essa imagem). Pra ele, os motivos são:
  1. A renda real do trabalho diminuiu no período (como consequência do baixo crescimento no período, que por sua vez é consequência essencialmente das políticas para controle da inflação);
  2. Da "falta de competência política do governo federal para assumir a paternidade desses programas e se comunicar melhor com a população"; e
  3. Sensação de insegurança nas metrópoles, ligada ao aumento da criminalidade, já que muitos dos programas acima estavam voltados para outras regiões.

Mas o mais importante é: essas políticas funcionaram mesmo? Ou, como Lula diz, ele é o pai de toda a mudança social no Brasil, contra os governos anteriores, que eram "das elites"?

Retiro o próximo gráfico do comunicado IPEA no. 63, que mostra o índice de Gini no Brasil (um índice que mede a desigualdade de renda no país):

De fato, a desigualdade só começou a cair com mais força lá pro final do governo FHC. E caiu muito mais no governo Lula. Mas três pensamentos são importantes:
  1. Será que a desigualdade cair em 2003 e 2004, por exemplo, é mais mérito de Lula ou de FHC? Será que as políticas sociais funcionam instantaneamente, ou demora um tempo até elas causarem seu efeito na desigualdade?
  2. Será que é mais difícil reverter uma trajetória de crescimento da desigualdade (que durou décadas, quiçá séculos), e permitir que ela comece a diminuir de forma consistente; ou continuar e ampliar programas anteriores, seguindo uma trajetória já de queda?
  3. É um fato bem conhecido de economia que a inflação causa transferências de renda - notadamente, em países mais pobres, são os pobres que sofrem, enquanto o governo e bancos se beneficiam. O segundo governo FHC, e depois os governos Lula, foram os primeiros na história do Brasil a desfrutar de inflação baixa de forma consistente. Será que o crescimento com baixa inflação, por si só, não é um GRANDE explicador para a redução do índice de Gini? E, se sim: quem foi que controlou a inflação mesmo? =P
Abraços!

* Fabio Giambiagi é economista do BNDES. Já trabalhou no Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), no IPEA, na assessoria do ministério do Planejamento, e como professor da UFRJ e da PUC-Rio.

2 comentários:

  1. Fala Topeira! Muito legal seu post! Bem embasado e explicado, coisa difícil de se ver hoje em dia nos blogs que se propõe a debater politica! Pra mim, os dois lados são praticamente a mesma coisa. Com exeção de que, na minha opinião, do lado da trupe do FHC houve maior propensão às políticas de privatização de boa parte da maquina estatal. Hoje, com todos os programas de crescimento engatados, poderiamos ter nos benefiado mais se tivessemos mantido alguns setores estratégicos como a Vale do Rio Doce. Para o seu próximo post sobre inflação tem uma história bem interessante aqui neste blog: http://www.npr.org/blogs/money/2010/10/04/130329523/how-fake-money-saved-brazil . Não sei se você já conhece mais ai vai a dica.

    Abração!!!

    Pedro Sampaio

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  2. Olá Daniel,

    Gosto muito de ler as suas postagens, muito inteligente e amadurecido seus comentários sem ser radical na defesa do governo FHC, sabe reconhecer que o governo posterior tem seus méritos também, ao contrário dos que defendem cegamente que apenas no governo Lula se pensou em crescimento com ação social.

    Eu estava lendo sobre um livro lançado pelo escritor alemão que vive no Brasil Alexander Busch, o liro chama-se "Brasil, País do Presente"

    trechos sobre o livro:

    Trunfos de peso
    A união de iniciativas como o Plano Real, as privatizações e outras ações voltadas ao bem-estar social, segundo Busch, foram definitivas para o atual posicionamento do Brasil no cenário político-econômico mundial. Aliados a elas, trunfos como indústria forte, energia limpa em excesso, estabilidade econômica, fartas reservas de recursos naturais estão entre os fatores que fazem do País uma das grandes apostas para figurar entre as economias mais fortalecidas mundialmente até 2020. Segundo o autor, o fato de o país promover a continuidade de suas regras político-econômicas sem alterá-las há pelo menos 15 anos, estimula cada vez mais a confiança de outras nações e contribui positivamente.

    Acho que vale a pena ler.

    Bom trabalho em seu blog

    Cristina

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