quarta-feira, 15 de dezembro de 2010

Dia de Comemoração

Será que existe assunto sobre o que os brasileiros conseguem chegar a um consenso?


Existem tantas questões importantes sobre as quais é difícil chegar a um acordo... Qual é o melhor forma de acabar com a pobreza? Qual a melhor forma de distribuir a riqueza do Pré-Sal? Quem é o campeão brasileiro de 1987?

Além de ser difícil chegar a alguma conclusão sobre o que fazer, é difícil escolher prioridades: o que é mais urgente? E ainda mais difícil: onde colocar nosso dinheiro público, tão escasso?

Mas HOJE... sim, hoje, quarta-feira, 15 de dezembro - é um dia histórico marcado pelo consenso! Resolvemos um problema comum através do diálogo e do acordo! É como se toda a nossa população se reunisse, através de nossos representantes, e clamasse em (quase) uníssono:


Nossos deputados e senadores ganham muito pouco! Precisamos tomar uma atitude enérgica, urgente: aumento de 61,8%!

A famosa festa da democracia


Assim, os deputados votaram em colocar a matéria em caráter de urgência, os partidos a aprovaram na Câmara (bastou uma votação simbólica), mandaram para o Senado Federal, e nossos senadores não hesitaram em aprová-la também. Bastou um dia.

O importante aqui, volto a ressaltar, é o consenso. Com a exceção do PSOL, todos os partidos - incluindo PSDB, PT, PV - concordaram com a manobra. Você pode ver aqui a lista dos deputados que votaram a favor da urgência (separados por partido). 279 a favor, 35 contra, 3 abstenções.

Uma medida como essa tem custos. Além do aumento permanente nos gastos do Congresso, os deputados estaduais (uns 1500 no total) passam a ter direito de aumentar seus salários também, na mesma proporção. Vereadores também - mais uns 60.000 sujeitos. Uma pá de gente que pode receber 60% de aumento. Mas o problema é tão grave e urgente que não havia como esperar: aprovamos a matéria sem nem saber quais são esses custos. Há quem diga 1,8 bilhões só para as cidades (o que levaria o total a mais de R$ 2 bilhões num dado ano).

Também nem precisou de muitos argumentos, por ser uma questão tão óbvia. Nós, através dos congressistas, por algum motivo achamos terrível o deputado e o senador ganharem menos que o juiz do supremo. É tipo pecado, não pode. É urgente.

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Agora falando sério: deputados e senadores ganharão R$ 26,7 mil. Some a isso auxílio moradia de 3 mil (ou mais, para senadores), e lembre que eles não precisam pagar com seu salário viagens, despesas de gabinete, gasolina, e provavelmente nem comida.

Agora lembre que o piso salarial do professor é de R$ 1.024,67. E o professor precisa pagar pela moradia, e às vezes até por material escolar. Um deputado ganha quase 30 vezes o salário inicial de um professor. Economistas de plantão, lembrem que não estamos falando de preços controlados pelo mercado de trabalho. São salários definidos pelo governo. É uma questão de preços relativos, de onde aplicar o dinheiro público.


Aparentemente, ninguém se importa. Mas a revolta deveria ser maior com o governo federal, que tem mais espaço no orçamento pra baboseiras.


Se o seu partido ou candidato aprovou este aumento (suspeito que uma fração bem pequena dos meus zilhões de leitores vota no PSOL), e ao mesmo tempo:

a) Diz combater a desigualde social;

b) Jura querer melhorar a educação.

Tem algo de errado com a linha de raciocínio dele.

Não entendo muito da estrutura de gastos do governo, mas entendo de aritmética. Façamos um exercício:

Vamos partir dos R$ 2 bilhões anuais de economia1. Digamos que um aumento de salário do professor em R$ 1 real leve a um aumento total de custos de R$ 2 reais ao governo, ao somar despesas trabalhistas, previdência, etc. Então, se quiséssemos colocar toda essa grana para aumentar salários de professores do ensino básico, levando em conta que temos uns 2 milhões deles, a conclusão que eu chego é:

O governo poderia, com a grana comprometida com o aumento do legislativo, aumentar em pelo menos R$ 42 o salário de TODOS OS PROFESSORES DO ENSINO BÁSICO do Brasil. Para quem recebe o piso, seria um aumento de 4%. Levando em conta que é pra 2 milhões de pessoas (comparados aos 62.000 do legislativo), acho bem significativo.2

Adoraria ouvir críticas sobre minhas contas, se estiverem erradas - aprenderei um pouco mais! Mandem comentário e eu corrigirei o que precisar.


Nesses anos em que estou no Vetor Brasil, me acostumei a ler sobre educação, ver casos de sucesso em outros países, acompanhar indicadores nacionais e internacionais, etc. De vez em quando saem análises interessantes como esta, da McKinsey & Co. Não consegui ver nenhum caso de sucesso até agora que não envolvesse valorização do professor - a profissão precisa ser valorizada, nós, como país, precisamos achar que o professor é importante - e pagar por isto. Mas a gente engasga nisso. E não dá pra dizer que é por falta de dinheiro depois dessas contas aí em cima. É questão de valorização mesmo.

Ao mesmo tempo, me pergunto por que precisamos aumentar salários de deputados. Será que precisamos buscar talentos que não estariam dispostos a ganhar "só" 16 mil mais benefícios? Será que tínhamos candidatos em potencial, de qualidade, deixando de concorrer porque o salário seria pequeno?

Em outras palavras: eu consigo enxergar um benefício claro à sociedade no aumento de salários aos professores. E no caso dos legisladores, alguém (que não seja diretamente beneficiado) consegue?3


No fundo, tudo se resume a um princípio básico da economia: as pessoas respondem a incentivos. Os legisladores têm um incentivo para aumentar seu salário - seu próprio bem estar. A "solução"? Nós, enquanto sociedade, precisamos bolar um jeito de punir este tipo de comportamento, para compensar o incentivo.

Nada simples.

Atualização: Pra quem queira acreditar que o tema é debatido já há algum tempo na câmara, e portanto foi pensado: lembre-se que há uma conveniência enorme em que a votação seja agora. Se não for antes de terminar o ano, não vale para a próxima legislatura. E, antes das eleições (mesmo o segundo turno), o jogo seria outro. Mesmo que todos os partidos concordem no "princípio" da coisa, o voto "Não" passaria a ter um valor maior (eleitoral). Pensando em termos estratégicos, o equilíbrio do "jogo" passaria a ser todo mundo votar "Não" em vez de "Sim".

Atualização 2: Para quem não se impressionou com o aumento de R$ 42 por professor, dou outros dois exemplos de coisas que poderiam ser feitos com os R$ 2 bilhões que os deputados preferiram destinar ao legislativo:

A) Criar um órgão de apoio do MEC com 10.000 funcionários (1 para cada 200 professores do ensino básico), ganhando cada um R$ 6 mil mensais, para apoiar diretores de escola no planejamento pedagógico e estratégico, além de supervisioná-las para fazê-las chegar nas metas do ministério. (supuz 70% de gastos do órgão com pessoal; 50% dos gastos de pessoal indo para salários)

B) Financiar uma universidade maior que a Unicamp.


Notas:

1 - Fazendo contas simples, o número faz sentido. Atualmente, vereadores ganham entre R$ 2 mil e R$ 7,5 mil, aproximadamente. Se, ao crescer o salário em 60%, o aumento de gastos mensal por vereador, na média, for R$ 2.500 reais - lembrem que isso inclui os encargos trabalhistas, décimo-terceiro e outras bonificações, previdência integral de servidor público etc -, chegamos nos R$ 1,8 bi (2,5 mil * 60 mil * 12 meses) das cidades. Completa 2 bi com o dos senadores, deputados federais e estaduais.

2 - Leitores atentos vão ver que o aumento dos custos só acontecerá em nível estadual e municipal em 2012. Não muda minha conclusão, exceto que o aumento aos professores aconteceria de forma gradual até 2012.

3 - Não estou considerando aqui o valor do entretenimento que desfrutamos ao acompanhar nossos legisladores. Eu, mesmo, gosto de passar horas escrevendo no meu blog em busca de Ibope, e teria menos assuntos não fossem as estapafúrdias do Congresso.

2 comentários:

  1. Bom, em resumo acho o seguinte:
    - Concordo com o Daniel de que há outras prioridades de aumento. A educação foi um ótimo ponto colocado
    - Se for tratar de aumento do salário dos deputados, não vejo motivos para que este não seja apenas a correção pela inflação. Ao "não ver motivos", digo que acho que: i) não houve (de modo significativo) alterações de escopo de trabalho, aumento da carga horária, aumento de atribuições e aumento de custos; ii) o salário antes do aumento não era "sub-valorizado" o que explicaria a necessidade de aumento se isso fosse verdade.
    - Problemas estruturais que geram correções erradas: acho que a coisa toda não está estruturalmente correta. Um dos pontos é esta questão da equiparação dos salários entre os poderes, o que requer MTO mais discussão (como comentei, acho que o executivo devia ser um dos maiores e não o menor em termos de salário). Outra coisa é o financiamento de campanha que acho que deve ser mudado. Cara, os deputados gastaram RIOS de dinheiro nesta campanha. Consigo ver o brilho nos olhos deles com esta oportunidade de aumento. Acho que a coisa toda está estruturalmente bagunçada.

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